Ônibus 613. 22h00min. Sentada na mesma cadeira, a última do ônibus e individual. Abro a janela e junto com o vento vêm os tantos pensamentos, reflexões e observações internas sobre as pessoas que vejo, sobre mim, sobre o mundo. É, mais um dia, até chegar naquele ponto. Até então só reinavam pensamentos soltos, alguns até sem sentido, mas daquele ponto em diante, todo pensamento se prendeu àquele olhar perdido.
O frio e a vontade de chegar em casa e me cobrir passaram quando eu vi aquela criança ali, deitada no chão, usando um degrau de loja como travesseiro. Sem pai, sem mãe, só com céu como garantia de companhia, esfregando o olho na tentativa de pegar no sono, na tentativa de dormir e acordar num mundo diferente, àquele mundo que toda criança tem direito de ter, um mundo de presentes, de travessuras, de doces, de surpresas, de desenhos animados, de bagunças, de festinhas temáticas, de beijos, de abraços e de muitos: Eu te amo! O mundo dos inocentes que aquela criança nunca teve o direito de conhecer.
O meu olhar sobre mim se perdeu quando olhei para ele e de uma forma súbita e instantânea aquele olhinhos pequenos entraram em mim de forma esmagadora. E, na tentativa de me aproximar, coloquei a cabeça pra fora da janela e ele olhou para mim – sim, ele olhou! Mas, eu não sabia o que dizer, não sabia o que poderia fazer ou dizer para que pudesse mostrar que ele era importante, então, quando o ônibus começou a andar, o olhar dele permaneceu em mim e eu no dele. E na tentativa de esboçar algo antes de perder aquele olhar, eu sorri e acenei e ele fez o mesmo.
Depois daquele ato a dor no meu peito aumentou. Eu deixei o meu sorriso e o meu aceno, quando deveria ter deixado o meu Deus. Eu não sei o que ele entendeu com aquele gesto, mas eu queria dizer: Hei, você não é invisível, você é lindo, você é querido! Esperei o dia seguinte, e no mesmo ritual sentei na cadeira esperando aquele ponto novamente, mas o menino não estava mais lá. Então, logo deixei de pensar e segurei o choro. Dali em diante nunca passo pelo ponto sem lembrar daquele menino e do olhar que ele deixou em mim e pensando no que eu deixei dentro dele.
É impossível dobrar o joelho e não lembrar do menino do ponto e junto com ele a representação de tantas crianças que nasceram sujeitas ao domínio cruel do mundo. Antes de dialogarem com Deus, pensem no que você tem deixado para aqueles que precisam tanto de um colo de um Pai. O que você tem dado? Vamos deixar mais que um sorriso e um aceno de mão, deixem o Deus que há dentro de você, pode ser sua única chance.